Já li em algum lugar que a pior doença do século é a solidão. Será que a Bíblia trata desse assunto? Afirmas piamente que “Deus faz que o solitário more em família”(Sl 68:6) não deve ser aquele consolo profundo para quem não tem ninguém e tem que enfrentar mais um dia sozinho. Estamos na maioria das vezes rodeados de pessoas, mas sozinhos.
Havia uma mulher da Bíblia que conhecia de perto a solidão – seu nome é Hagar. O trecho bíblico que relata toda a solidão de Hagar se encontra em Gênesis 21:8-21. Na ocasião o filho de Abraão e Hagar, Ismael, tem seus dezessete anos, e o texto começa no dia da festa de celebração do fato de Isaque ter desmamado e passado pelos primeiros anos de vida. Toda família estava presente, inclusive Hagar e Ismael.
Convencida de que o adolescente era uma ameaça ara seu filho e para a herança dele, Sara chamou a Abraão e exigiu que “essa escrava e seu filho” fossem banidos de lá.
Abraão apesar de ter ficado com pena porque gostava muito do rapaz, teve que mandá-los embora. De madrugada Abraão se levantou para despedir-se deles antes que Sara acordasse.
De uma dia pro outro, sem casa, sem marido, sem apoio, sem mordomias, sem companhias… Sem nada, só água e pão, Hagar e Ismael saem para enfrentar o mundo(deserto).
E um olha para a cara do outro:
- Aonde vamos? O que faremos? Para que tamanha confusão? Eles não sabem que a gente sabe muito bem quais são as regras do jogo nestas circunstâncias? Claro que a herança será para Isaque agora. Não há nem o que discutir… Mas a gente podia ter ficado na casa.
- Filho, não adianta nem falar assim, agora. Fique quieto. Meu Deus! O que será de nós dois?
É muita solidão! Mas Hagar já havia passado por algo parecido. Em Gênesis 16:1-14, o relato destaca alguns elementos-chaves para uma interpretação da vida dessa mulher. Ela era uma escrava egípcia, isto é, filha de um povo desprezado. Ao descobrir que estava grávida, desprezou Sara e com isso foi humilhada por ela e fugiu para o deserto. O Anjo do Senhor a encontrou e pediu que ela voltasse e se submetesse a sua patroa. Antes de sumir o Anjo prometeu que Hagar teria uma descendência numerosa e indicou qual deveria ser o nome d seu filho. O nome do filho dela seria Ismael, que quer dizer Deus ouve, pois, como o próprio Anjo disse: “O SENHOR te acudiu na tua aflição” (Gn 16:11). Deus ouve, Deus vê, Deus acode os solitários. E essa verdade foi o motivo pelo qual Hagar louvou a Deus, invocando Seu nome e testemunhando: “Tu és um Deus que vê.” Hagar conhecia a Deus, o Deus que a via em toda a sua miséria e solidão. Ela pôde provar que é possível ser solitária, sem estar sozinha.
Além disso, este Deus tem um santo remédio para a soidão: “Ergue-te, levanta o rapaz, segura-o pela mão…” (Gn 21:18) Deus sabe que a pior coisa que se pode fazer numa situação dessas é ficar sentado num canto choramingando. “Pense no rapaz, Hagar! Você tem responsabilidades! E EU estou com você. Já prometi estar com vocês e repito minha promessa. Você está solitária, mas não está sozinha!”
A solidão não-tratada pode levar à depressão, até ao suicídio: mas pode também levar à amargura de espírito. As perguntas sempre aparecem dia após dia: Por que Deus permitiu isso? Ele podia ter dado amigos, parentes mais amorosos, podia ter poupado a vida de meu marido.. Nota-se que Hagar parece não ter tomado esse caminho de amargura. No sepultamento de Abraão tanto Isaque quanto Ismael estavam presentes. Acredito que se Hagar tivesse transmitido atitudes negativas, críticas ou tivesse falado mal de Abraão ou de Isaque para Ismael estes textos (Gn 25:9) não estariam na Bíblia. Solitária, mas não sozinha, e jamais azeda.
Hagar tem coisas a nos ensinar. Temos a tendência de olhar para ela negativamente, quase que amaldiçoada por Deus. Normalmente comparamos Hagar com Sara. Hagar por tudo que viveu e sofreu e por sua solidão, virou símbolo de miséria espiritual.
Muitas vezes a pessoa solitária é rejeitada, vira símbolo de inferioridade, de maldição, e, abraçando os extrovertidos, nós viramos as costas para os solitários, e eles ficam mais solitários ainda. Solitários, mas não sozinhos, pois, como Jesus mesmo disse: “Me deixareis só; contudo não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16:32). E prometeu estar conosco também, “ todos os dias, até a consumação do século” (Mt 28:20). Muito obrigada, Hagar, por nos ter falado. Sua angústia e solidão valeram.
Texto adaptado do primeiro capítulo do livro Fale, Mulher! – Joyce Winifred
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